sábado, 24 de fevereiro de 2007

A Maldição do Ouro Negro

"No Sul da Nigéria, o petróleo corrompe tudo. Envenena o solo e a água. Mancha as mãos de políticos e generais. Contamina as ambições dos jovens, que tentam açambarcar uma fatia do ouro líquido. Originalmente, porém, a Nigéria tinha os requisitos para escrever uma história de sucesso: era um país pobre, subitamente abençoado por uma fortuna.


Sonhos de prosperidade brotaram com a mesma força do petróleo que jorrou dos terrenos pantanosos do delta do Níger, em 1956. O mercado mundial viciou-se nas ramas brutas do delta, um líquido “suave”, com baixo teor de enxofre, denominado Bonny Light, com capacidade para ser facilmente refinado em gasolina e gasóleo. Em meados da década de 1970, a Nigéria aderiu à OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), e o orçamento nacional começou a inchar com petrodólares. Tudo parecia possível. Mas tudo correu mal. Uma malha de bairros de lata pejados de lixo ocupa uma extensão interminável. Fumos negros sufocantes, provenientes de um matadouro a céu aberto, deslizam sobre os telhados. As ruas apresentam-se esburacadas. Quadrilhas deambulam pelos pátios das escolas. Bufarinheiros e mendigos assediam as viaturas paralisadas nas filas para gasolina. Estamos em Port Harcourt, centro da região petrolífera da Nigéria, capital do estado de Rivers, plantada no coração de reservas petrolíferas maiores do que as dos EUA e do México combinadas. Em teoria, Port Harcourt deveria refulgir: em vez disso, apodrece. Fora da cidade, entre um labirinto de riachos, ribeiros e canais com oleodutos que riscam o delta (uma das maiores regiões de zonas húmidas do planeta), existe um submundo. Aldeias e vilas agarram-se às margens, compostas por pouco mais do que montes de cabanas com paredes de lama e barracas ferrugentas. Crianças esfomeadas e seminuas, adultos taciturnos e ociosos deambulam por estradas de terra. Aqui não há electricidade, nem água potável, nem remédios, nem escolas. As redes de pesca penduradas estão secas e com indícios de escassa utilização; as canoas escavadas em troncos jazem sobre as margens lamacentas. Décadas de fugas de petróleo, de chuvas ácidas provocadas por incêndios de gás e de destruição dos mangues para construção de oleodutos mataram os peixes. A Nigéria foi corrompida por aquilo que outrora lhe deu esperanças: o petróleo, que representa 95%das receitas de exportação do país e 80% do seu rendimento. Em 1960, produtos agrícolas como o óleo de palma e os feijões de cacau constituíam praticamente a totalidade das exportações da Nigéria: hoje em dia, praticamente não têm expressão. O país mais populoso de África, com 130 milhões de habitantes, outrora auto--suficiente em termos alimentares, passou a importar mais do que aquilo que produz. Como as suas refinarias sofrem constantes avarias, a Nigéria, apesar da sua riqueza em petróleo, vê-se obrigada a importar a maior parte do combustível que consome. Mesmo assim, os postos de abastecimento de gasolina encontram-se frequentemente encerrados por falta de fornecimento. O Banco Mundial considera a Nigéria um “estado frágil”, ameaçado por riscos de conflito armado, doença epidémica e governação fracassada. O sentimento de crise constante agudizou-se desde o ano passado, quando um grupo secreto composto por rebeldes armados e encapuçados, actuando sob o nome de Movimento de Emancipação do Delta do Níger, ou MEND, intensificou os seus ataques contra plataformas petrolíferas e unidades de bombeamento, na sua maioria exploradas pela Shell Nigeria. Os militantes do MEND e de outros grupos têm assassinado soldados e agentes de segurança, raptado trabalhadores estrangeiros das companhias petrolíferas e detonado bombas em automóveis na cidade de Warri, localizada no delta, como forma de protesto contra a visita de responsáveis do sector empresarial chinês do petróleo. Para provarem a sua capacidade de intervenção, assumiram o controlo de uma plataforma petrolífera no golfo da Guiné, situada a 64 quilómetros da costa. Estes ataques interromperam um fluxo diário superior a 500 mil barris de petróleo, levando o país a explorar reservas marítimas para compensar a perda de receitas. Outrora um potencial país-modelo, a Nigéria transformou-se numa nação perigosa, viciada no dinheiro do petróleo. Aqui, as pessoas mostram--se cada vez mais propensas a aderir à corrupção, àsabotagem e ao assassínio, como forma de conquistar para si uma fatia da riqueza do país. Mas existe uma ironia ainda mais cruel nesta situação: nem meio século de extracção de petróleo no delta conseguiu melhorar as vidas dos cidadãos. Pelo contrário, os nigerianos encontram-se actualmente ainda mais pobres e sem esperança."

Fontes:Texto de Tom O’Neill; Fotografia de Ed Kashi http://www.nationalgeographic.pt


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