Nasceu no país de Gales, frequentou um curso de engenharia e queria ser surfista profissional. Acabou por doutorar-se em Filosofia, andar de país em país por escolha própria e escrever livros dedicados ao estatuto moral dos animais.
Filho de um polícia e de uma professora, Mark Rowlands, 47 anos, o docente universitário viveu dos 27 aos 38 anos com um lobo. Esta jornada levou-o a tecer algumas considerações acerca da natureza humana.
O autor de O filósofo e o Lobo (Lua de Papel, €15) reside em Miami, nos Estados Unidos, é casado, tem dois filhos e um cão.
Que razões o levaram a querer ter um lobo como animal de estimação?
Assim que comecei a trabalhar como professor universitário, nos Estados Unidos, senti falta de um animal de companhia como os grand danois que tinha na casa de família Comprei o jornal local [no Estado do Alabama] e encontrei um anúncio que me chamou a atenção: "Crias de lobo para venda, 96 por cento". O meu destino foi traçado a partir daí.
Que surpresas lhe trouxe essa decisão?
Não é muito diferente de ter um cão de grande porte, não eram substanciais. Mas há um aspecto digno de registo: eu tinha de andar sempre com ele, porque caso o deixasse sozinho em casa, seria uma questão de minutos até destruir tudo o que eu tivesse lá dentro.
Como foi para si lidar com isso?
Estudei programas de treino e ensinei-o a comportar-se em sítios públicos, por exemplo. Fui aprendendo com ele, um dia de cada vez. Sempre nos demos bem, nos transportes públicos ia de trela comigo e nunca foi agressivo.
Sempre viajou muito, com Brenin atrás. Nunca teve problemas?
Eu usava um estratagema e dizia às pessoas que era um cão. O desafio maior foi a mudança dos Estados Unidos para a Irlanda. Ele teve que ficar em quarentena durante seis meses e custou-me, mas nunca foi um problema.
Como reagiram os seus pais quando souberam que vivia com um lobo?
Eles estavam num continente e eu noutro. O meu pai ficou um bocado intrigado, mas não preocupado. Na minha família havia a tradição de resgatar cães grandes, como os grand danois, que são adoráveis mas também podem dar problemas.
O que significava Brenin para si?
Era como um irmão. Uma amigo que me merecia uma grande admiração, pela sua força de carácter. Vou lembrar-me sempre da reacção de Brenim em situações críticas, como a que testemunhei uma vez com um pit bull de um amigo meu: na iminência de ser atacado mortalmente, a sua postura era de calma desafiante, mas nunca de desespero. Ele tinha apenas dois meses.
Esta experiência levou-o a questionar mitos, no plano filosófico?
Fez-me investigar o lado obscuro dos atributos vulgarmente associados à nossa superioridade sobre os outros animais: a inteligência, a moral e a consciência de que somos mortais. O que nos distingue enquanto espécie não abona a nosso favor.
Porquê?
Como fundamento no livro, a raiz da inteligência assenta na capacidade de enganar e manipular; a moral alicerça-se no poder e na mentira; a consciência de que vamos morrer leva-nos a tomar decisões duvidosas como lutar e ter sucesso para dar um sentido da vida, o que nos torna infelizes.
Parece que o mau da fita não é o lobo.
Criou-se essa ideia porque em tempos remotos eles competiam com os humanos por alimentos. A nossa espécie trilhou um caminho evolutivo discutível e gosto de usar a metáfora dos nossos dois lados, o primata e o lupino. O macaco - e eu também tenho um! - faz tudo para ter poder e chegar ao topo, sendo capaz de premeditar, fazer alianças, manipular e dissimular. O lobo equivale à parte de nós que olha para essas questões com desprezo. Gosto da minha faceta de lobo, mas detesto a outra.
E como gere essa faceta na sua vida diária?
(pausa) ... É uma boa questão. Talvez tentando manter as coisas em perspectiva, porque uma vida assente no conceito de sucesso não compensa. Talvez a felicidade não seja isso, mas antes o fazer coisas boas, ser uma pessoa boa. E mesmo a inteligência, por mais útil que seja, pode ser usada para coisas terríveis, como a extinção de outras espécies.
Tem feito críticas a colegas seus, por causa do abuso em animais. Quer especificar?
Refiro-me a experiências feitas nos anos cinquenta e replicadas durante décadas, envolvendo tortura animal. Colocavam cães numa jaula electrificada com uma barreira que ia subindo até ao ponto de a cobaia não mais poder transpô-la. Os bichos agonizavam, defecavam e urinavam sem controlo, até desistirem. A ideia era mostrar que o desespero humano podia ser aprendido. Tais experiências fizeram as carreiras de investigadores de Harvard, mas não beneficiaram ninguém até hoje.
Nove anos depois da morte de Brenin, em que ocasiões se lembra mais dele?
Quando a vida me corre mal, e às vezes corre mesmo, lembro-me sempre dele, transmitindo a sua força e calma nas situações mais adversas, sem recuar ou desistir.
Sempre se definiu como um solitário boémio. Ainda é assim?
(pausa) Houve alturas da minha vida em que me sentia como um lobo. Hoje tornei-me mais suave e paciente. Em muitos aspectos sou uma pessoa melhor, mais tolerante e capaz de perdoar.
Já pensou em ter outro lobo?
Tenho dois filhos que dominam a minha vida de forma tão ou mais exigente do que um lobo. Não existe espaço suficiente na minha vida para isso, neste momento.
Como vê a sociedade actual?
Somos impacientes por natureza. Até que ponto estamos dispostos a fazer sacrifícios é a questão central. De momento isso não é evidente: continuamos a andar de carro, a assistir a derrames de petróleo, ao aquecimento global. O acordo de Copenhaga foi uma piada, as mudanças de atitude são irrisórias e as consequências dramáticas. O que se passa com os lobos é um bom indicador disso. Na América dizem que tencionam reintroduzi-los, mas logo que existam algumas centenas, tencionam voltar a matá-los. E porquê? Porque matam os veados e os alces e os caçadores querem ter esse direito em primeira-mão.
Em: Revista Visao